
“A competência em leitura e em produção textual não depende apenas do conhecimento do código lingüístico. Para ler e escrever com proficiência é imprescindível conhecer outros textos, estar consciente de suas relações intertextuais, pois um texto nasce a partir de outros”. (Guia de Produção Textual)
Dessa forma, nossa compreensão de um texto acontece de acordo com o conhecimento de mundo e com o universo de leitura. Quanto mais ampla for a gama de conhecimento geral do leitor maior será a sua competência para saber que o um texto dialoga com outros por meio de referências, alusões ou citações.
Ser sensível ao que outros autores escreveram para, a partir de então, iniciar a sua própria escrita é a chave para o universo da intertextualidade. Pode-se, portanto, fazer a seguinte declaração
“Quem escreve não escreve no vazio, pois um texto não surge do nada. Pode-se dizer que escrever é a habilidade de aproveitar criticamente, criativamente outros materiais interdiscursivos, outros textos. É por isso que quem lê está em situação privilegiada para escrever, uma vez que se apropria, mediante a leitura, de idéias e de recursos de expressão”. (Guia de Produção Textual)
Na música Monte Castelo a intertextualidade foi aplicada de forma muito rica. Renato Russo apropria-se de dois famosos textos sobre o “amor” e constrói, a partir deles, a sua mensagem para uma geração que, talvez, induzida pela cultura rebelde dos anos 80, não estivesse muito a par de dois escritores tão “distantes” desse novo mundo do século XX e sua mensagem de sexo, drogas e rock roll.
CONTEXTUALIZANDO OS TEXTOS
O poema de Camões data do século XVI e compõe a vasta gama de produção do período do Classicismo. O poeta viveu experiências que formaram o “seu dramático mundo inconfundível” segundo Geraldo Mello Mourão. Dessa forma, sua expressão foi afinada por uma realidade trágica. O soneto foi produzido em uma época que ainda sofria resquício cultural da Idade Média, principalmente no tocante ao fato de que
“A literatura ainda era vista como um importante instrumento de formação moral dos homens nobres: tinha, portanto, caráter moralizante e aristocrático”. (Ulisses Infante)
Ele tenta, em vão, conceituar o Amor; mas só consegue demonstrar que qualquer tentativa semelhante, ao final, levará ao ponto de partida. Em Camões, o amor sempre é propositadamente contraditório, pois o poeta quer mostrar que é desse paradoxo que se origina a sua grandeza para dominar, de forma delicada e imbatível, a vida do ser humano, ser tão complexo em seus sentimentos. O tratamento dado ao tema no soneto é visivelmente ligado ao sentimento humano entre um homem e uma mulher, o amor romântico, seja ele correspondido ou não. O amor Eros está sempre ligado à falta, ao sofrimento, uma vez que um amante nunca está saciado do outro. Assim, a mensagem enfatiza que, embora haja sofrimento no amor, ele sempre é, contraditoriamente, acompanhado pela amizade e toda sensação causada por ele, aprazível ou não, é nobre e enobrece o ser que ama.
Já na carta do apóstolo Paulo à Igreja de Corinto, registrada na Bíblia, o contexto é bem diferente. A carta foi escrita em Éfeso, no século I d.C. e teve seu direcionamento orientado por três situações: primeiro, depois de um incidente com filósofos atenienses, Paulo resolvera se centrar na mensagem simples da cruz; logo depois foi forçado pela oposição judaica a focalizar o seu ministério para os gentios e em terceiro lugar, a congregação de Corinto, composta por judeus e gentios havia florescido de forma preocupante no tocante há vários pontos do evangelho. Corinto era uma das maiores cidades do mundo romano e uma das mais corruptas, assim a Igreja estava repleta de problemas sérios, entre eles a divisão interna que estava despedaçando as relações entre os crentes. Portanto,
“Paulo havia sido confrontado com uma tarefa enorme, e esta longa carta aos Coríntios foi uma tentativa de tratar o problema”. (Bíblia de Genebra)
Centrando esse contexto especificamente no trecho intitulado O amor é um dom supremo, no capítulo 13 de 1Coríntios, percebemos uma mensagem que fala de um amor no qual há total ausência de interesse próprio.
“O amor busca o bem do próximo, e a sua verdadeira medida é o quanto ele dá para que se alcance tal fim. Mais do que simples emoção, o amor é um princípio de ação. É uma questão de fazer algo pelos outros por compaixão a eles, sem levar em conta se sentimos ou não afeição por eles”. (Bíblia de Genebra)
Paulo fala aos Coríntios de um amor que eles não conheciam, o amor ágape, aquele que se sacrifica pelo bem do outro. É um amor prático, abnegado, que não espera nada em troca.
Compreendendo a situação de produção dos dois textos que baseiam Monte Castelo, é interessante questionar o motivo de tais textos serem musicados por um grupo de rock nos tumultuados anos 80.
“Paulo havia sido confrontado com uma tarefa enorme, e esta longa carta aos Coríntios foi uma tentativa de tratar o problema”. (Bíblia de Genebra)
Centrando esse contexto especificamente no trecho intitulado O amor é um dom supremo, no capítulo 13 de 1Coríntios, percebemos uma mensagem que fala de um amor no qual há total ausência de interesse próprio.
“O amor busca o bem do próximo, e a sua verdadeira medida é o quanto ele dá para que se alcance tal fim. Mais do que simples emoção, o amor é um princípio de ação. É uma questão de fazer algo pelos outros por compaixão a eles, sem levar em conta se sentimos ou não afeição por eles”. (Bíblia de Genebra)
Paulo fala aos Coríntios de um amor que eles não conheciam, o amor ágape, aquele que se sacrifica pelo bem do outro. É um amor prático, abnegado, que não espera nada em troca.
Compreendendo a situação de produção dos dois textos que baseiam Monte Castelo, é interessante questionar o motivo de tais textos serem musicados por um grupo de rock nos tumultuados anos 80.
UM CENÁRIO, UM ENCONTRO
Diante do que já foi dito, pode-se perceber, precedendo mesmo a análise dos textos, algo em comum nos contextos acima descritos: a necessidade real de se ensinar sobre a grandeza do amor para um público que, aparentemente, a teme, desconhece ou não lhe concede a importância devida. No soneto, o poeta fala sobre a dor que o amor humano causa, mas, ao mesmo tempo, em como essa dor é prazerosa a ponto de o amante querer estar preso por vontade [ v.9], portanto, não há o que temer diante dele. Podemos interpretar essa lição como dada a outros poetas desse tempo, os quais se prendiam à imagem platônica do Amor por seres ideais, superiores e desprezavam o sentimento humano carnal. A carta é enviada pelo apóstolo no intuito de ensinar alguns preceitos cristãos para os coríntios, tão necessitados de orientação em meio a tantos erros, tristezas e depravação, e não há nenhum ensinamento maior do que o do amor. Dessa forma, a música promove o encontro dessas duas lições sobre o amor de caráter ativo e nobre, mesmo na dor, diante de uma juventude carente de ideais, valores humanos maiores e mais individualista, se comparada a gerações passadas. Portanto, observa-se que entre os três textos já existe intertextualidade em relação ao contexto em que eles foram escritos e, dependendo da leitura que se faça, pode-se afirmar que a mensagem final também será a mesma, levando em consideração, claro, todas as diferenças existentes entre elas já citadas aqui: o conceito do amor como um sentimento que causa dor ao mesmo tempo em que enobrece o ser amante, pois leva a ações que buscam o bem do outro.
Diante do que já foi dito, pode-se perceber, precedendo mesmo a análise dos textos, algo em comum nos contextos acima descritos: a necessidade real de se ensinar sobre a grandeza do amor para um público que, aparentemente, a teme, desconhece ou não lhe concede a importância devida. No soneto, o poeta fala sobre a dor que o amor humano causa, mas, ao mesmo tempo, em como essa dor é prazerosa a ponto de o amante querer estar preso por vontade [ v.9], portanto, não há o que temer diante dele. Podemos interpretar essa lição como dada a outros poetas desse tempo, os quais se prendiam à imagem platônica do Amor por seres ideais, superiores e desprezavam o sentimento humano carnal. A carta é enviada pelo apóstolo no intuito de ensinar alguns preceitos cristãos para os coríntios, tão necessitados de orientação em meio a tantos erros, tristezas e depravação, e não há nenhum ensinamento maior do que o do amor. Dessa forma, a música promove o encontro dessas duas lições sobre o amor de caráter ativo e nobre, mesmo na dor, diante de uma juventude carente de ideais, valores humanos maiores e mais individualista, se comparada a gerações passadas. Portanto, observa-se que entre os três textos já existe intertextualidade em relação ao contexto em que eles foram escritos e, dependendo da leitura que se faça, pode-se afirmar que a mensagem final também será a mesma, levando em consideração, claro, todas as diferenças existentes entre elas já citadas aqui: o conceito do amor como um sentimento que causa dor ao mesmo tempo em que enobrece o ser amante, pois leva a ações que buscam o bem do outro.
Uma outra intertextualidade presente em Monte Castelo, mas não tão visível ou conhecida como a música em si, é o seu próprio título, o qual faz alusão a uma batalha da Segunda Guerra Mundial.
“A conquista do Monte Castelo na cordilheira apenina, no norte da Itália, foi uma atuação heróica dos soldados brasileiros. Mesmo mal treinados, com equipamento inadequado e enfrentando um frio de até 15 ºC negativos, eles conseguiram derrotar as forças alemãs que estavam entrincheiradas no alto do monte Castelo. O resultado das operações conjuntas com outras forças na batalha foi a expulsão dos alemães dos montes Apeninos, permitindo uma ofensiva dos aliados no norte da Itália que marcaria o fim dos confrontos no país”. (Roberto Navarro)
“A conquista do Monte Castelo na cordilheira apenina, no norte da Itália, foi uma atuação heróica dos soldados brasileiros. Mesmo mal treinados, com equipamento inadequado e enfrentando um frio de até 15 ºC negativos, eles conseguiram derrotar as forças alemãs que estavam entrincheiradas no alto do monte Castelo. O resultado das operações conjuntas com outras forças na batalha foi a expulsão dos alemães dos montes Apeninos, permitindo uma ofensiva dos aliados no norte da Itália que marcaria o fim dos confrontos no país”. (Roberto Navarro)
O planejamento da ação mostrava o grande perigo que os soldados enfrentariam, eles mesmos sabiam disso, apesar de não se falar abertamente sobre o caso. No entanto, eles não desistiram, sabiam que estavam ali por um bem maior, para derrotar a gigante Alemanha Nazista que já havia lançado seus princípios podres em solo brasileiro. No final da ofensiva, 1000 homens brasileiros não voltaram para suas casas.
Renato Russo não nomeia essa canção de forma aleatória. Para falar de um amor supremo, que conhece a verdade, age de forma a propiciar o bem do outro e não se desencoraja diante da dor nada melhor do que nomeá-la com um episódio que demonstrou esse amor maior de forma concreta.
Observando mais diretamente os textos (ver anexos), é evidente a intertextualidade na letra de Monte Castelo com os outros textos já citados, pois ela é toda construída a partir de um “diálogo” entre eles. Somente em um verso, o compositor usa palavras suas, é o que podemos constatar no verso 21 da música que diz
Estou acordado e todos dormem, todos dormem, todos dormem.
O cuidado com que o compositor construiu a sua obra, trabalhando a intertextualidade em tudo o que foi possível, faz nascer o questionamento do por que nesse trecho, em especial, não há intertextualidade, pelo menos não conhecida. Uma possível resposta seria voltar ao conceito do amor como sentimento que leva à ação e, por ter tomado consciência disso, o compositor coloca-se como “acordado”, mas os que ainda não perceberam “dormem”, ou seja, não estão prontos para agir. Outra leitura possível é observar que na música ele faz intertextualidade com três referências diferentes ao amor, mas, no momento, enquanto todos os outros autores e personagens “dormem” (estão mortos), somente ele está acordado (vivo) para repassar a mensagem.
Estou acordado e todos dormem, todos dormem, todos dormem.
O cuidado com que o compositor construiu a sua obra, trabalhando a intertextualidade em tudo o que foi possível, faz nascer o questionamento do por que nesse trecho, em especial, não há intertextualidade, pelo menos não conhecida. Uma possível resposta seria voltar ao conceito do amor como sentimento que leva à ação e, por ter tomado consciência disso, o compositor coloca-se como “acordado”, mas os que ainda não perceberam “dormem”, ou seja, não estão prontos para agir. Outra leitura possível é observar que na música ele faz intertextualidade com três referências diferentes ao amor, mas, no momento, enquanto todos os outros autores e personagens “dormem” (estão mortos), somente ele está acordado (vivo) para repassar a mensagem.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo do artigo percebeu-se que a intertextualidade pressupõe um universo histórico-social e cultural muito amplo, pois, além de exigir do leitor a capacidade de compreender a função da alusão a outros textos, pressupõe a identificação das referências, o conhecimento de mundo, que deve ser comum ao produtor e ao receptor do texto e o reconhecimento de remissões a obras e acontecimentos gerais.
Ao longo do artigo percebeu-se que a intertextualidade pressupõe um universo histórico-social e cultural muito amplo, pois, além de exigir do leitor a capacidade de compreender a função da alusão a outros textos, pressupõe a identificação das referências, o conhecimento de mundo, que deve ser comum ao produtor e ao receptor do texto e o reconhecimento de remissões a obras e acontecimentos gerais.
Nessa perspectiva da língua como instrumento de interação social, ficou evidente, então, o importante papel da intertextualidade para a concretização dos objetivos e intenções do produtor do texto, e para o reconhecimento do leitor desse fator de textualidade, na construção do(s) sentido(s) do texto.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
- Bíblia de Estudo de Genebra. São Paulo e Barueri, Cultura Cristã e Sociedade Bíblica do Brasil, 1999.
- CAMÕES, Luís Vaz de. Poesia Lírica. Ulisséia. 1988, 2ª ed.
- FILHO, Moacyr B. Dias. Estrutura de um artigo científico. Retirado de http://www.freewebs.com/moacyr/Estrutura%20de%20um%20artigo%20cientifico.htm em 13 de setembro de 2006.
- INFANTE. Ulisses. Curso de Literatura Portuguesa: São Paulo: Scipione, 2001.
- NAVARRO, Roberto. Revista Mundo Estranho – História. Abril. Ed. 36. Em fevereiro de 2005.
- PAULO Apóstolo. Carta à Igreja de Corinto. IN: Bíblia Sagrada. Capítulo 13.
- PUCRS – Guia de Produção Textual. Como realizar a Intertextualidade. Retirado de http://www.pucrs.br/gpt/intertextualidade.php em 13 de Setembro de 2006.
- RUSSO, Renato. Monte Castelo. IN: Álbum Quatro Estações. 1987
- Wikipédia – a enciclopédia livre. Amor. Retirado de http://pt.wikipedia.org/wiki/Amor_(sentimento) em 13 de Setembro de 2006.
- ________________________. Década de 80. Retirado de http://pt.wikipedia.org/wiki/D%C3%A9cada_de_1980 em 13 de Setembro de 2006.
assista ao video:
Parabéns ... Grato pela leitura do artigo ...
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